Índice
- O que é cobrança indevida
- Quando a cobrança indevida é crime
- Seus direitos e como agir
- Negativação indevida: a face mais grave da cobrança indevida
- Dano moral: quando é possível pedir
- Passos práticos para se defender
- Passos práticos para se defender
Você já recebeu uma conta com valores que não reconhece? Ou teve seu nome negativado por uma dívida que não existe? Se sim, você pode ter sido vítima de cobrança indevida. Eu explico como identificar essa situação, quais são seus direitos e quando a empresa pode até mesmo cometer um crime.
A cobrança indevida afeta milhares de consumidores brasileiros diariamente e pode gerar desde simples aborrecimentos até danos mais sérios como negativação e constrangimento público.
Cobrança indevida acontece quando uma empresa te cobra por algo que você não deve. Isso pode ocorrer de várias formas: valores já pagos, serviços não contratados, taxas abusivas ou mesmo dívidas de outras pessoas.
Os exemplos mais comuns incluem:
Contas de telefonia com serviços que você nunca solicitou, cartões de crédito com anuidades em dobro, financiamentos já quitados que voltam a ser cobrados, ou até mesmo dívidas de pessoas com nome similar ao seu.
O Código de Defesa do Consumidor protege você nessas situações através do artigo 42, que estabelece regras claras sobre como as cobranças devem ser feitas.
Quando a cobrança indevida é crime
Atenção: nem toda cobrança indevida é crime. É fundamental distinguir entre a cobrança incorreta (ilícito civil) e a cobrança abusiva (crime).
Cobrança indevida simples: É quando você é cobrado por algo que não deve – valor já pago, serviço não contratado, taxa abusiva. Não é crime, mas gera direito à devolução em dobro conforme artigo 42 do CDC.
Cobrança abusiva: É quando a cobrança (mesmo que de dívida legítima) é feita de forma vexatória, constrangedora ou ameaçadora. Aqui sim configura crime conforme o artigo 71 do CDC, com pena de três meses a um ano de detenção, além de multa. Essa situação pode gerar dano moral.
O crime acontece quando a cobrança utiliza de:
Ameaças: “Vou mandar seu nome para todo mundo”, “vou te processar”, “vai dar cadeia”. Coação física ou moral: comparecer na sua casa ou trabalho para constranger, perseguição constante, agressões. Afirmações falsas: “você vai ser preso se não pagar”, “já negativamos seu nome” (quando não negativaram), informar sobre dívidas já pagas. Exposição ao ridículo: cobrança por carro de som anunciando seu nome e dívida, faixas em lugares públicos, listas com nomes de devedores em escolas ou comércios, enviar correspondência aberta para vizinhos verem. Interferência no trabalho/descanso/lazer: ligar no seu trabalho e constranger você na frente de colegas, cobranças aos domingos, feriados ou madrugada, cobranças durante suas férias.
Exemplos práticos de cobrança abusiva:
Ligar mais de 3 vezes por dia para a mesma pessoa. Ligar para parentes, vizinhos ou amigos informando sobre sua dívida. Enviar mensagens no WhatsApp de familiares. Publicar seu nome em redes sociais. Mandar e-mails com assunto “DEVEDOR” ou “INADIMPLENTE”. Comparecer no seu local de trabalho. Deixar recados constrangedores na portaria do prédio. Usar tom agressivo, gritar ou xingar. Ameaçar com consequências inexistentes (“vai perder o CPF”, “não pode mais abrir conta em banco”). Cobrar em horário de descanso (após 20h, antes das 8h, finais de semana).
A doutrina, citando Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin (autor do anteprojeto do CDC), esclarece que “jamais é justificável, em cobrança extrajudicial, o uso de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, assim como de afirmações desconformes com a realidade”.
Um caso recente julgado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso (Recurso Inominado n. 1024683-64.2024.8.11.0001) condenou uma empresa que fez cobrança vexatória através de rede social. O tribunal destacou que “a cobrança de dívida de forma vexatória enseja a responsabilidade pela reparação dos danos morais sofridos pela vítima conforme o artigo 42 e 71 do CDC”.
É importante saber: o simples ato de ameaçar com ação judicial não é crime, pois buscar a tutela jurisdicional é um direito constitucional. O que não pode é usar essa ameaça de forma constrangedora ou com informações falsas. Aliás, se você está do outro lado e precisa cobrar uma dívida legítima, veja nosso guia sobre como cobrar uma dívida de forma legal.
Dano moral: quando é possível pedir
O cobrança indevida CDC garante direitos importantes para você. O principal está no artigo 42, parágrafo único: se você pagou algo indevidamente, tem direito à devolução em dobro do valor, acrescido de juros e correção monetária.
Uma decisão histórica mudou esse cenário. Em outubro de 2020, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nos Embargos de Divergência 1.413.542 que a devolução em dobro não depende mais da comprovação de má-fé da empresa.
Agora basta que a cobrança indevida configure “conduta contrária à boa-fé objetiva”. Na prática, isso significa que se a empresa cobrou algo que você não devia, ela deve devolver o dobro, mesmo que tenha agido sem má-fé.
Importante: essa nova regra vale para cobranças feitas a partir de 30 de março de 2021. Para cobranças anteriores, alguns tribunais ainda exigem prova da má-fé da empresa.
Os valores de indenização variam entre R$ 5.000,00 e R$ 15.000,00, dependendo do caso e do tempo que o nome ficou negativado indevidamente.
Protesto indevido e SCR: também geram dano moral
Além da negativação tradicional (SPC/Serasa), outras duas situações também geram dano moral in re ipsa:
Protesto indevido: Quando um título é levado a protesto em cartório sem justificativa legal. O STJ sedimentou na “Jurisprudência em Teses” nº 56 que “o protesto indevido de título enseja indenização por dano moral que se configura in re ipsa”. Ou seja, o dano é presumido, você não precisa provar constrangimento.
SCR (Sistema Central de Risco do Bacen): Embora seja menos conhecido, o SCR também pode gerar dano moral quando há inscrição indevida. O STJ decidiu que o SCR se equipara ao SPC e Serasa, pois também funciona como cadastro de restrição de crédito, servindo para avaliar o risco na concessão de empréstimos.
Importante: tanto no protesto quanto no SCR, aplicam-se as mesmas regras da Súmula 385 do STJ – se você já tem outras restrições legítimas, pode não ter direito ao dano moral.
Negativação indevida: a face mais grave da cobrança indevida
A negativação indevida é considerada uma das formas mais graves de cobrança indevida, pois vai além do simples constrangimento – ela ataca diretamente seu nome e reputação no mercado.
Negativação indevida acontece quando seu nome é incluído nos órgãos de proteção ao crédito (SPC, Serasa, SCPC) por uma dívida que não existe, já foi paga, ou por valores incorretos. Também ocorre quando a empresa não retira seu nome após o pagamento.
Por que é mais grave? Porque a negativação indevida gera dano moral in re ipsa – ou seja, o dano é presumido, você não precisa provar que sofreu prejuízo. O simples fato de ter seu nome “sujo” já configura dano moral.
O STJ é claro sobre isso. No julgamento do REsp nº 2.282.338-MG, a Ministra Maria Isabel Gallotti afirmou: “A jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que a inscrição indevida em cadastro restritivo gera dano moral in re ipsa, sendo desnecessária a prova de sua ocorrência”.
Atenção para a Súmula 385 do STJ: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição”. Em outras palavras: se você já tem seu nome negativado por outras dívidas legítimas, uma nova negativação indevida não gera direito a dano moral.
Porém, o STJ tem flexibilizado essa súmula. Se você conseguir demonstrar que todas as outras negativações também são indevidas e estão sendo questionadas judicialmente, ainda pode ter direito ao dano moral.
Outras situações que geram dano moral na negativação:
Manutenção do nome após pagamento: a empresa tem 5 dias úteis para retirar seu nome depois que você pagar (Súmula 548 do STJ). Negativação de dívida com mais de 5 anos: informações negativas só podem ficar no cadastro por no máximo 5 anos (art. 43, §1º do CDC). Negativação sem comunicação prévia: você deve ser avisado antes da inclusão do seu nome (art. 43, §2º do CDC).
Você tem até dez anos para pedir a devolução em dobro, conforme orientação do STJ.
Nem toda cobrança indevida gera direito a cobrança indevida dano moral. A jurisprudência é clara: a simples cobrança incorreta, por si só, não é suficiente. É preciso que ela tenha causado um dano que vai além do mero aborrecimento.
Situações que podem gerar dano moral incluem:
Negativação indevida do seu nome, cobranças excessivas e repetitivas mesmo depois de você contestar, exposição pública do seu nome como devedor, cobrança feita no seu local de trabalho causando constrangimento, e necessidade de contratar advogado para resolver a situação.
Um caso interessante foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (1º Juizado Especial Cível de Águas Claras), onde uma consumidora teve seu nome incluído indevidamente em cadastros restritivos pela Via Varejo S/A (Casas Bahia) por uma dívida inexistente. A empresa foi condenada a pagar danos morais.
O valor da indenização varia conforme o caso. O STJ tem precedentes que fixaram valores entre R$ 5.000,00 e R$ 8.000,00 para situações similares, sempre considerando a gravidade da conduta e os danos efetivamente sofridos.
Seus direitos e como agir
Se você está enfrentando cobrança indevida, siga estes passos:
Primeiro: Não pague nada e guarde todos os comprovantes. Anote datas, horários e conteúdo das cobranças recebidas.
Segundo: Procure a empresa diretamente. Faça uma reclamação formal por escrito (e-mail, chat, ou protocolo presencial) explicando que a cobrança é indevida.
Terceiro: Use as plataformas de mediação online. Essas ferramentas têm se mostrado muito eficazes:
Consumidor.gov.br (www.consumidor.gov.br): Plataforma oficial do governo com 1.483 empresas cadastradas. Em 2023, registrou 1.385.840 reclamações com índice de solução de 78% e tempo médio de resposta de 6 dias. É gratuito e você precisa de conta gov.br nível prata ou ouro. Em 10 anos, a plataforma já recebeu mais de 8 milhões de queixas, com mais de 70% solucionadas.
Reclame Aqui (www.reclameaqui.com.br): Plataforma privada que registra cerca de 30 milhões de acessos mensais e mais de 1 milhão de reclamações por mês. Segundo a pesquisa CX Trends 2024, é o segundo site mais consultado pelos brasileiros antes de comprar (depois do Google). 48% dos consumidores sempre pesquisam no Reclame Aqui, e 53% decidem onde comprar com base na reputação da empresa na plataforma.
Quarto: Se não resolver, registre reclamação no Procon local. Esses órgãos têm poder para aplicar multas e mediar conflitos.
Quinto: Procure um advogado se a situação não se resolver ou se você sofreu danos maiores (como negativação ou constrangimento público). Se a situação evoluir para uma disputa judicial e você precisar cobrar judicialmente seus direitos, consulte nosso guia sobre como cobrar uma dívida na Justiça.
Lembre-se: você tem direito a ser tratado com respeito. Cobranças feitas em horários inadequados (antes das 8h ou depois das 20h), com linguagem agressiva, ou dirigidas a terceiros são abusivas e podem até configurar crime.
Conclusão
A cobrança indevida não é apenas um aborrecimento – é uma violação dos seus direitos como consumidor. O CDC oferece proteção robusta, incluindo o direito à devolução em dobro e, em casos mais graves, indenização por danos morais.
A recente decisão do STJ facilitou ainda mais a defesa dos consumidores ao dispensar a prova de má-fé para a devolução em dobro. Isso significa que as empresas precisam ser mais cuidadosas com suas cobranças.
Lembre-se: quando a cobrança é feita de forma abusiva ou vexatória, ela pode até mesmo configurar crime, sujeitando o responsável à prisão.
O seu caso pode ser diferente. Se negociar não deu certo, consulte um advogado.